Relato de mãe

Meu menino maluquinho, por Mariana Parreiras

Por Redação Doutíssima 01/04/2015

Atualmente, muitos são os rótulos dados às crianças. Se o pequeno é muito bagunceiro, por exemplo, logo alguém diz “é uma criança hiperativa”. Se ele brinca sozinho e interage somente com o seu imáginario, certamente as pessoas vão insinuar que “seu filho deve ser autista“.

 

Mas a nossa colunista Mariana Parreiras não se deixou contaminar com essa moda de “diagnósticos fast food” e assumiu: meu filho é um menino maluquinho, “e eu me divirto com as aventuras dele!”  Leia o texto abaixo e se encante com as travessuras do Matt, a estrela da história de hoje.

 

 

 menino maluquinho

 

 

Nós compramos um peixe. O nome dele é George. Imagino que eu deva começar com um pequeno animal de estimação para as crianças. Se eu não matá-lo em poucos meses, então estaremos prontos para um mamífero de algum tipo, ou talvez, apenas um réptil. George vive em seu aquário que fica em cima de uma pequena adega muito vazia (mamãe precisa ir às compras de vinho) do lado da mesa de jantar.

 

Durante a hora do jantar, George é o meu novo melhor amigo, pois os meninos ficam sentados quietinhos, encantados com o peixe. O George também janta neste horário, o que hipnotiza as pequenas mentes.

 

Matthew perguntou-me ontem qual era o banquete do George. Expliquei em termos de criança que ele estava comendo sua comida de peixe, que era como pizza para ele. Matthew olhou para mim com aquele olhar sem expressão que as crianças de três anos as vezes dão, onde eu nunca sei se ele entendeu o que eu disse, e se ele se importou.

 

Hoje ao descer para a sala, encontrei o Matthew, que teve o trabalho de desenterrar um enorme pedaço de pizza do freezer, empurrando uma cadeira para subir e alcançar o aquário. Ele estava prestes a mergulhar a pizza dentro da caixa de vidro e dizendo ao aterrorizado peixe, “coma sua pizza, georgiii!”. Foi quando eu salvei a vida deste animal por mais um dia.

 

Matthew não é um homem de muitas palavras. Aos três anos de idade, ele não fala muito, o que, naturalmente, me preocupa. Eu disse a seu pediatra que tudo que ele faz é “grunhir”, subir nas coisas e ficar sujo, rir de sua própria flatulência, dirigir seus caminhões sobre os cabelos da mamãe (e embaraçá-los assim nas rodinhas), tentar descobrir como as coisas funcionam por meio da destruição, tocar suas partes íntimas, fingir que não está me ouvindo e ficar calado. Ele é autista? Eu perguntei. O seu médico deu de ombros e brincou: “Ele soa como grande parte dos homens para mim.”

 

Recentemente, os avós brasileiros enviaram pelo correio com urgência um livro que poderia explicar o comportamento do meu filho: “O Menino Maluquinho“, de Ziraldo. Nele, o autor descreve uma criança muito ativa e criativa, realmente maluquinha. Lembro-me de ler este livro quando criança e me perguntar como seria conhecer uma criança assim. Agora eu sei.

 

Para começar, Matthew não entende o conceito de ficar quieto. Eu tentei ler o livro do Ziraldo para ele, por exemplo, mas entre as primeiras linhas, ele já tinha subido no ponto mais alto do sofá e estava prestes a pular lá de cima, de barriga, em uma almofada. Mais tarde, ele usou o livro como uma rampa para seus caminhões.

 

Outro dia desses, depois de persegui-lo ao redor da casa pelos habituais trinta minutos para trocar suas roupas, eu finalmente encontrei Matt completamente nu, pulando em sua cama. Quando eu pedi que descesse, pois tinha que ir para a escola, ele disse uma das poucas frases da semana, “vai você para a escola, mamãe. Eu estou ocupado!”

 

Ir à praia com ele é um desperdício de tempo. Enquanto a maioria das crianças se senta na areia e constrói castelos, Matthew sai correndo, e tão rápido quanto ele possivelmente pode correr no sentido de rochas pontiagudas onde ele vai escalar antes que eu o alcance, ou ao oceano. Isso era especialmente interessante quando eu estava grávida de John e o Matt tinha um ano de idade.

 

Eu mal conseguia me mover, andando como uma pata, e meu marido estava na guerra no Oriente Médio. Um dia o Matthew correu tão rápido e tão longe que o salva-vidas tiveram pena de mim e abandonaram seus postos para correrem atrás do meu filho também.

 

Ele sempre teve peculiaridades que outras crianças não pareciam ter. Por exemplo, com um ano e meio de idade, Matt pulava de seu berço na hora do soninho da tarde e literalmente redecorava todo o seu quarto. Eu encontrava seu berço do outro lado do quarto, o armário virado de lado, e todas as gavetas reviradas.

 

O Matthew teve um período em que só andava pela casa com um lençol de berço sobre sua cabeça, como um fantasma. Ele continuava andando assim, dando risadas, mesmo quando batia com o rosto em paredes que não podia ver.

 

Falando de fantasmas… Matthew tem um amigo. Seu nome é Edgar. Edgar é engraçado e simpático, sempre fazendo Matthew rir, e, por vezes, o John brinca com ele também. O único porém é que o Edgar não existe. Ou ele é um amigo imaginário ou é um fantasma. Eu prefiro acreditar que ele seja um fantasma, uma vez que acrescenta mais personalidade para a minha casa e faz o meu filho parecer menos louco.

 

Matthew fala com ele e ri do nada, sem motivo. Ele o chama de Edgar. John também ri de nada, o que às vezes provoca arrepios na minha espinha. Então, não, meus filhos não são esquizofrênicos. Nós apenas temos um ser de outra dimensão vivendo nesta casa, mas tudo bem.

 

É apenas um pequeno empecilho quando eu tenho que ir no quarto das crianças no meio da noite e não posso acender as luzes. Eu tenho medo que Edgar decida manifestar-se a mim, sentado na beira da cama de Matt ou algo parecido, por isso às vezes eu deito na minha cama um pouco mais esperando que os meninos parem de me chamar e voltem a dormir. Quando eu decido atravessar o corredor escuro, eu faço isso rápido para que nenhum monstro pegue meu pé, mas não conte isso a ninguém, porque eu sou uma adulta racional e inteligente, e fantasmas não existem. Ou existem?

 

Enquanto escrevo isto, o Matthew está escalando o muro que separa do jardim do vizinho. Ele está de cueca e late para o cão da casa ao lado. Matt tem em sua mão um grande espelho, o qual está usando para refletir o sol no jardim do vizinho, o que faz o animal correr desesperado para alcançá-lo. Eu posso ouvir o cão enlouquecido, correndo e latindo por todo o quintal. Eu deveria ir dizer ao meu filho para parar com isso, mas a risada contagiante de Matthew faz o efeito de sempre: eu rio com ele e sou, desta forma, quase sempre permissível às suas travessuras.

 

Às vezes me pergunto se há algo de errado com o meu filho e o que eu poderia estar fazendo de melhor quanto à disciplina, mas Ziraldo resume a essência do menino maluquinho em seu livro. Ele não era na verdade maluquinho. Ele era simplesmente muito feliz. Então talvez eu esteja fazendo algo certo.

 

Mariana Parreiras

Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

 

Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!

 

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