Relato de mãe

A grama do vizinho, por Mariana Parreiras

Por Redação Doutíssima 09/03/2015

Você também é daquelas pessoas que acham que a “grama do vizinho é sempre mais verde que a sua”? Cuidado, porque você pode descobrir que a grama dele é artificial e não perceber que a sua está começando a nascer, forte e saudável. Num relato doce, mas repleto de angústias, nossa colunista Mariana Parreiras fala sobre os dilemas enfrentados pelas mulheres nos dias atuais. Confira!

 

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“O vizinho deve ter tempo para cortar e fertilizar a grama”. Foto: Shutterstock.

 

A GRAMA DO VIZINHO

 

A grama do meu vizinho é mais verde do que a minha. Quando eu passo perto do seu jardim, no caminho para levar as crianças a um parque, eu me pergunto como ele o mantém dessa forma. Aqui na Califórnia a água é cara. Nós já gastamos uma fortuna e a nossa grama parece de um cenário de filme de deserto.

 

Esse meu vizinho deve ser rico. Ele deve ter tempo para cortar e fertilizar a grama. Ele deve ter jardineiros e a melhor qualidade de solo, “o desgraçado,” diz minha inveja.

 

No parque avisto uma mulher, que parece ser a mãe das três crianças que estão brincando calmamente e educadamente umas com a outras. Ela está bem vestida e seu cabelo está bem alisado. Eu imediatamente toco o meu rabo-de-cavalo, me perguntando qual foi a última vez em que usei nele qualquer apetrecho de embelezamento. Eu decidi assim que esta é a mulher para a minha pesquisa.

 

Na noite anterior, eu fiz uma confissão ao meu marido: eu não quero ficar mais em casa. Eu quero trabalhar. Eu quero a liberdade de ser eu mesma novamente e ter pensamentos e decisões que não envolvam outras duas pequenas pessoas, todos os dias e todas as noites. Eu disse isso aos prantos, para falar a verdade, de pura exaustão de um dia de infecções de ouvido e agitação dos meninos. Mais um dia em que nada realmente foi feito além disso.

 

Eu lhe perguntei: “como é que outras mães lidam com tudo isso?”. Meu marido sugeriu que eu perguntasse a outra mãe qualquer, uma que pareça ter equilíbrio e crianças calmas. Essa mulher de cabelo de chapinha parece ser uma boa candidata.

 

Como eu tenho o dom de fazer até mesmo uma parede de tijolos me contar seus sujos segredos, em menos de 20 minutos, esta mãe perfeita está confessando que ontem mesmo ela se escondeu dentro de seu armário enquanto tapava os ouvidos com os dedos. “Eu não tenho uma solução para você”, ela me diz, enquanto o seu menino mais novo está chorando em seus braços. Eu nem tinha percebido a criança subindo no pescoço dela.

 

Eu contei no dia anterior a uma amiga mãe que trabalha fora sobre o meu problema: me sentir culpada por ficar em casa porque eu não estou contribuindo financeiramente. Também sinto que se eu assistir o mesmo desenho animado mais uma vez (ele pode ser encantador, mas que perde um pouco de seu charme após a centésima vez), meu cérebro vai se tornar do tamanho da noz que o ratinho gosta de comer.

 

Eu expliquei a minha amiga que eu gostaria também de ser capaz de ter fins de semana novamente. Gostaria de ser capaz de descansar e cuidar de mim, já que eu estaria trabalhando durante toda a semana. Minha amiga primeiro me observou como se eu tivesse três olhos, e depois riu, e riu, e riu, e riu mais. Isso deve ter sido a coisa mais engraçada que eu já tenha dito a ela.

 

“Querida”, disse ela, “Acredite em mim quando eu digo isto: eu desejo ser você!” Ela então contou que não importa o quanto o marido ajude e o quanto a mulher trabalhe fora, se a casa está suja (o que sempre está) e as crianças não estão maravilhosamente bem cuidadas, a sociedade em geral assume que a mãe é a porca desligada, culpada de tudo.

 

Até mesmo a minha mãe, que gostava, e ainda gosta de sua liberdade em poder trabalhar, costumava falar brincando, “olha o que essas feministas fizeram. Tenho que ir trabalhar!”

 

Eu ouvi coisa parecida de uma outra amiga, sobre o seu desejo de outra vida, mais tarde naquele dia. Essa não tem filhos, ou um homem maduro no momento com quem possa fazer esses filhos. Assim que ela atingiu a idade onde é capaz de distinguir meninos de homens de verdade e têm os meios financeiros para viver plenamente sua vida, ela disse, seus óvulos estão “se transformando em passas.”

 

Isso tudo me fez pensar que parecem haver três tipos de mulher: a que se sente culpada porque tem filhos, mas não trabalha, a que se sente culpada porque tem filhos e trabalha, e a que se sente culpada porque não tem filhos.

 

Porque é que as mulheres se sentem sempre tão incompletas, não importa quais sejam as circunstâncias? Por que sucumbimos a pressão de ser tudo, e fazer tudo? E, mais importante, e especialmente com as mídias sociais como Facebook, mostrando vidas de outras pessoas onde os bastidores da realidade estão sempre mascarados com o que parece ser melhor… por que a grama de outra mulher parece mais verde?

 

Enquanto me perguntava isso, eu voltava para casa, quando me deparei à frente da infâmia grama verde do vizinho. Em um impulso, eu me agachei e a toquei. Isto pode soar clichê em sua melhor forma, mas descobri, secretamente aliviada, e sorri a mim mesma no processo, que a grama é de fato de plástico.

 

É claro que de longe, e sem saber a história por de trás do seu verde, a grama do vizinho parece melhor. Sendo que esta é a semana das mulheres, que tal fazermos uma pausa e tentar estar em algum lugar onde não estamos, ser alguém que não somos no momento, e abraçar tudo de maravilhoso e único nos papéis que (ás vezes bem difíceis) já atuamos, sem culpa?

 

Mariana Parreiras

Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

 

Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em Comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!

 

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