Sexualidade

Livro conta que sexualidade infantil brasileira era “disciplinada”

Por Redação Doutíssima 23/05/2015

Ao falar sobre os embates da sociedade moderna, é preciso lembrar de um estudo que teve como foco a sexualidade infantil. Isso porque, atualmente, os indivíduos vivem discussões que envolvem a opção sexual das pessoas e os conceitos que cada um tem acerca de seu corpo e de suas convicções.

 

Essa “luta”, que discute preconceito e liberdade, pode ser reflexo de uma postura social defendida entre as décadas de 1920 e 1930, que teve como foco a sexualidade infantil.

Essa retomada inspira a reflexão e foi tema do estudo do historiador Alex Barreiro que, em abril, lançou o livro Pedagogia dos Desejos: Eugenia, Psicanálise e Sexualidade Infantil Brasileira (Editora Lexia, R$ 24,00). O trabalho é resultado do projeto de mestrado de Barreiro defendido na Universidade de Campinas (Unicamp).

sexualidade infantil

Pesquisadores acreditavam que a sexualidade das crianças poderia ser direcionada. Foto: iStock, Getty Images

Sexualidade infantil e processo regenerativo

Por meio de sua pesquisa, Barreiro constatou que a psicanálise no Brasil ou os textos de Sigmund Freud foram, inicialmente, interpretados à luz dos interesses eugenistas, visando uma educação sexual voltada para o processo regenerativo da sociedade brasileira.

“Ou seja, longe de traumas, perversões, complexos e outros fatores que comprometiam a boa moral da época”, completa.

O estudo de Barreiro também aponta como outras manifestações de afeto e da sexualidade, também a infantil, foram consideradas perigosas e a heterossexualidade determinante como conceito de normalidade psíquica. Isso quer dizer, homossexuais não eram vistos como mentalmente saudáveis.

Uma campanha pedagógica, completa o historiador, foi pensada para que a educação sexual das crianças fosse direcionada para a heterossexualidade.

O objetivo era “tratar” a crianças, pois eram seres adaptáveis e caso os pequenos perversos polimorfos não fossem orientados adequadamente, poderiam recalcar desejos, e desenvolver complexos que os levariam posteriormente à homossexualidade.

Barreiro também concluiu que o projeto de regeneração encabeçado por alguns precursores da psicanálise, em especial de Júlio Pires Porto-Carrero, estava menos interessado nos fatores biológicos, mas sim, em fatores morais, provenientes da boa educação, ou melhor, da boa educação sexual, passando inevitavelmente pela sexualidade infantil.

 

Sexualidade infantil determinaria o futuro

A ideia, diz o historiador, era usar diferentes métodos e discursos para adentrar nas políticas institucionais (família, escola, hospitais, entre outras) e colocar em operação um processo de regeneração da raça nacional. E nessa ofensiva, a criança foi tida como “magna causa”, pois representava o futuro promissor racial de uma nação recém proclamada republicana.

Assim, nesse contexto cultural e social, alguns médicos psiquiatras interpretaram as teorias freudianas, e diante da descoberta da sexualidade infantil, era necessário estar atento aos “perigos” que ela representava para a nação caso as crianças não fossem educadas sexualmente.

Os reflexos dessa postura ainda são sentidos hoje. “A heterossexualidade ainda é compreendida como um estado de normalidade em detrimento de outras expressões do afeto e do desejo, assim, ela torna-se compulsória e impositiva”, considera. Muitos profissionais de diferentes áreas ainda associam a sexualidade a um fato moral e reprodutivo.

Além disso, umas das iniciativas empreendidas por Porto-Carrero seria desfazer da sociedade as heranças culturais dos povos que aqui estavam e dos misticismos oriundos de povos africanos que para cá foram trazidos.

“A eugenia passava por uma espécie de ‘limpeza’ de ordem cultural. Ainda hoje vemos reflexos dessas hierarquias culturais e do etnocentrismo”, conclui.

 

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