O Brasil tem 23 milhões de idosos. Na Bahia, o grupo de 60 anos ou mais é composto por cerca de 1,4 milhão, o que equivale a 10,3% da população. Os números demonstram que a população com mais de 60 anos praticamente dobrou nas duas últimas décadas. “Os avanços na medicina, com o desenvolvimento de novas terapias e medicamentos, e o advento de uma cultura de cuidados, em que as pessoas passam a investir em uma boa alimentação e atividade física, estão na base da promoção de longevidade”, diz o médico geriatra Marco Gonçalves Ferreira.
Diante desta realidade, não basta chegar à velhice com bons exames clínicos e algum déficit cognitivo. “Interessados em viver muito, e bem, devem se concentrar na máxima: mente sã em corpo são”, alerta o médico. Ele diz que mesmo em idosos saudáveis, o envelhecimento pode vir acompanhado de alterações na memória e em outras funções cognitivas – atenção, percepção, linguagem e funções executivas. Sem contar aqueles que realmente adoecem, sendo diagnosticados com demência, uma perda global das funções cognitivas. Segundo o médico Ramon Cosenza, doutor em Ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor aposentado da instituição, tão importante quanto cuidar do corpo é cuidar da mente.
Envelhecimento não é sinônimo de doença, embora venha acompanhado delas. Mas pesquisas já comprovaram que é possível envelhecer de forma saudável. Segundo Cosenza, um dos autores do recém-lançado livro Neuropsicologia do envelhecimento (Editora Artmed), manter o cérebro ativo é de extrema importância para garantir um envelhecimento saudável. “É interessante que a pessoa se envolva em atividades que mantenham o bom funcionamento cognitivo, como o estudo e a leitura, além de cuidar da saúde do corpo”, afirma o especialista.
Dica: manter atividade
A ciência já comprovou que as pessoas não costumam manter principalmente as funções que mais usaram. Um engenheiro que sempre lidou com trabalhos matemáticos, por exemplo, consegue manter essas habilidades. Caso do arquiteto Oscar Niemeyer, que apesar de perdas em outros aspectos, continuava lidando com sua capacidade criativa, a área em que mais se destacava. Se as áreas do cérebro que mais se usam são as mais preservadas, a dica é manter essas atividades.
Uma das tarefas para manter a função cognitiva é usar o cérebro. “Estimular o cérebro é manter o interesse pela vida”, defendem os dois médicos. Palavras cruzadas fazem bem, assim como ler com frequência, jogar baralho e videogame, assistir a televisão, ir ao teatro, ouvir música, se interessar por gastronomia. Quanto mais diversificada a atividade intelectual ao longo da vida, melhor.
Outra boa notícia é que atividade física faz bem para o corpo e para a mente. O exercício físico tem atuação sobre o cérebro, fazendo com que ele produza fatores de estimulação neuronal. O crescimento neuronal é fator importante para a manutenção da função cognitiva. “Então, tão importante quanto fazer palavras cruzadas é aderir à atividade física. Cento e cinquenta minutos por semana de uma atividade moderada, como a caminhada, são suficientes para estimular o cérebro”, acrescenta Cosenza.
Pesquisas recentes indicam que o estilo de vida tem impacto direto no cérebro. Mantê-lo saudável, portanto, exige atitudes simples. Resultados de um estudo da Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, com 299 idosos, demonstraram que aqueles que percorriam 72 quadras por semana, depois de nove anos de atividades apresentaram aumento do volume de massa cinzenta e tiveram menor declínio cognitivo.
Segundo o neurologista Paulo Henrique Bertolucci, diretor do Núcleo de Envelhecimento Cerebral da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as pessoas são capazes de aprender e reter novos fatos e competências ao longo de toda a vida, especialmente com estímulo intelectual frequente. “Manter o cérebro sempre ativo, em constante processo de aprendizado e desafios mentais, contribui para a manutenção da função cognitiva. Nunca é tarde para aprender algo novo e desenvolver habilidades”, reforça o médico.
Componente hereditário
O ideal, contudo, é que esse cuidado seja constituído ao longo da vida. O envelhecimento começa no nascimento, mas uma maior atenção com a saúde física e mental pode ser adotada em torno dos 30 anos. Principalmente por quem tem casos de doenças cognitivas na família. As demências têm, sim, um componente hereditário, mas mesmo aqueles predispostos a desenvolvê-las podem postergá-la com mais atividade cerebral e física, mantendo a famosa plasticidade cerebral, que é a capacidade do sistema nervoso central de formar neurônios durante a vida adulta.
Segundo Cosenza, o cérebro se modifica ao longo da vida através dessa plasticidade. Até pouco tempo os cientistas e médicos pensavam que o órgão era plástico apenas até a adolescência. Mas a ciência já descobriu que o cérebro continua com essa atividade de regeneração de neurônios pela vida inteira, mesmo que vá perdendo um pouco da plasticidade. “Por isso, as pessoas mais velhas têm mais dificuldade para aprender. Mas, se esforçando, conseguem”, acrescentou.