Relato de mãe

Meditação de mãe, por Mariana Parreiras

Por Redação Doutíssima 16/03/2015

De tanto reclamar dos afazeres domésticos e da rotina sobrecarregada com os dois filhos, Mariana Parreiras ganhou de presente uma manhã de sábado ensolarada para relaxar e fazer algo por ela.

 

Perdida com tamanha liberdade, ela acabou concluindo que desaprendeu a ser única e que prefere o ritmo atribulado da vida de mãe. Desta vez, ela não pode reclamar da sorte. Mas será que a vida realmente tem sentido quando estamos a sós? Mergulhe no texto da nossa colunista e tire as suas conclusões!

 

meditação

“Prefiro uma casa barulhenta à ter tempo para pensar”. Foto: Shutterstock

 

Hoje acordei cuspindo fogo. Todos os meninos (inclusive o meu marido, que jogou no seu telefone até tarde da noite, o que significa que a luz do aparelho brilhou bem no meu rosto por todo o tempo), entre choros e pesadelos, me deram um mísero total de duas horas de sono.

 

Chutei todos para fora da casa assim que acordaram. Vesti os meninos, entreguei um carrinho de bebês duplo ao meu marido e os enviei a uma supostamente alegre caminhada para os parques. Felizmente, o meu bairro tem cinco parques fechados, então nenhum dos moços fica entediado, desde que explorem todos os parques, sem exceção. Assim que eles saíram, na pressa eu me dei conta que não tinha aplicado protetor solar em ninguém. Mas tudo bem. Eles não vão demorar muito, se eu os bem conheço, e não está muito ensolarado.

 

Eu ainda não posso acreditar que meu marido concordou em levá-los. Afinal, é uma manhã de sábado e ele normalmente entra em sua caverna mental e só sai depois de duas canecas (daquelas americanas, de tamanho exagerado) de café, que normalmente demoram três horas para acabar.

 

Disse-me para ir relaxar, uma vez que ele entende e sabe o tanto que eu faço todos os dias em casa e com os meninos. Ele está bom da cabeça? Quem é esse impostor e o que ele fez com o meu marido? Será que algum alienígena tomou posse de seu corpo? Eu dou de ombros. Esse alienígena é bacana.

 

Uma hora se passou, depois duas, e depois três. Não há bons filmes na televisão. Eu não estou com vontade de ler, ou de fazer jardinagem. Meu marido tinha dito que eu não deveria me preocupar com limpeza ou cozinha, e que eu deveria realmente fazer alguma coisa para mim. O que é relaxante? E o que há de errado com o meu marido?

 

Talvez eu devesse meditar. Isso é supostamente relaxante. Não é isso o que as pessoas espiritualmente esclarecidas como alguns desses abraçadores de árvores da Califórnia fazem? Eles separam alguns momentos do dia para pensar no nada e entrar em contato com o universo, o que quer que isso signifique. Eles por vezes usam uma atitude presunçosa pacífica, como se mantivessem um segredo que eu não saiba. Ou talvez eles são apenas drogados.

 

Vou meditar, então. Eu estou deitada no meio da minha cama, fecho os olhos, relaxo os meus músculos, concentro-me na respiração. Pense no nada, Mariana, eu me digo, mas a mente de mulher e mãe não sabe o que é isso, e então entro em meu costumeiro labirinto.

 

É mais ou menos assim: Eu realmente preciso organizar meu armário. Respire, Mariana. Eu preciso procurar na internet como clarear a cômoda da cozinha e talvez realmente fazê-lo algum dia. Talvez simplesmente devêssemos remodelar toda a maldita cozinha. Dessa forma, eu não vou precisar limpar aquele azulejo podre. Concentre-se na respiração. Você está meditando, em contato com o universo.

 

Por que o vizinho decidiu cortar sua grama agora? Ele não entende que eu estou entrando em contato com o universo? Respire fundo. Eu preciso trabalhar no meu currículo. Foram-me oferecidas algumas propostas de trabalho, finalmente. O que eu estou esperando? Mas o John é tão pequeno… Respire. Pare de cerrar a mandíbula. Bateu uma fome, de repente. Feche os olhos, Mariana.

 

O que devo fazer para o jantar? Uma comida japonesa iria bem. Talvez o alienígena que tomou posse do corpo do meu marido goste de sushi. O Matthew não se comporta bem em restaurantes, no entanto. Será que ficaria muito feio se eu amarrasse o meu menino a uma cadeira do restaurante e tapasse sua boca com fita crepe? Meu marido e eu precisamos na verdade de sair sozinhos. Vou mandar uma mensagem de texto para a babá. Não, eu vou terminar de meditar primeiro, pois estou em contato com o universo, pensando no nada. Respire fundo.

 

Talvez eu devesse tomar um banho de espumas. Não, banhos quentes de espuma abaixam minha pressão e me deixam tonta. Por que banhos de espuma parecem tão glamourosos e relaxante nos filmes? Eles realmente não são. Respire. Concentre-se na respiração. Pense em nada.

 

O que será que os meninos estão fazendo? Será que o John está de fralda suja e será que seu pai notou? Se eu conheço o meu marido, deve estar empanturrando o menino de comida, porque para ele choro sempre representa fome, e por isso os meninos foram bebês gordos. E se o Matt correu para a rua e foi atropelado por um carro? Talvez eu deva ligar para o meu marido! Não, vou meditar só mais um pouco. Feche os olhos. Pense em nada.

 

Um pedaço de bolo de chocolate cairia muito bem neste momento. Se eu comê-lo diretamente da geladeira, ele não tem calorias, certo? Respire. Pense em nada. Fique quieta, Mariana! Relaxe! Mas que droga!

 

Este silêncio é de enlouquecer. Vou mandar uma mensagem de texto ao meu marido. O meu telefone diz que está 35 graus lá fora. Deixe-me só dar uma olhada no que está acontecendo nas redes sociais da internet. Ah, sim, estão todos se divertindo, menos eu. Eu estou me relaxando e entrando em contato com o universo, de qualquer maneira. Vamos respirar fundo.

 

Eu preciso encomendar fraldas na internet. Que dia é hoje? Os sogros estão chegando à cidade em breve. Eu realmente preciso organizar meu armário. Eles podem vir a abri-lo quando eu não estiver por perto e descobrir o quanto eu realmente sou bagunceira. Respire. Coloque as mãos na barriga para entrar em contato com a respiração, e o universo. Não podemos esquecer do universo. Minha barriga ainda está tão redonda. Por que você não vai embora, barriga? Bolo de chocolate.

 

A porta da frente se abre e ouço sons de gritos de bebê (alguém definitivamente precisa de uma mudança de fralda) e conversas sem sentido de criança inundam a casa. Os meninos chegaram. Pulo da cama, aliviada por não mais ter que mediar a areia movediça dos meus pensamentos e a tentativa em vão de erradicá-los.

 

Todos os rostos estão da cor de beterraba, fritos pelo sol, em especial o do meu marido, que tem a pele mais branca e parece mais agonizado e exausto neste momento do que quando retornou da guerra no Afeganistão.

 

Ele diz que demorou para voltar para casa para que me permitisse realmente relaxar. Ele pergunta se adiantou. Eu minto que sim, mas a verdade é que eu senti falta deles. Prefiro uma casa barulhenta à ter tempo para pensar. Prefiro as minhas mãos cheias demais, a ponto de transbordar, do que vazias e ocupadas pelo ócio. O universo pode esperar.

 

Mariana Parreiras

Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

 

Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!

 

Gostou do artigo? Qual é a sua opinião sobre ele? Venha compartilhar suas experiências e tirar suas dúvidas no Fórum de Discussão Doutíssima!