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Aprendendo com os frutos, por Mariana Parreiras

Por Claudia Mercier 04/05/2015

O senso comum diz que para colher bons frutos é preciso preparar a terra, adubar, semear, regar e aguardar o momento da colheita. Mas a vida não é tão óbvia assim, e às vezes nos prepara algumas surpresas.

 

 

A nossa colunista Mariana Parreiras tentou ignorar os sinais que os seus frutos estavam emitindo, mas a força da natureza é mais forte que nossas convicções e medos. Hoje ela relata sobre a descoberta de que, assim como as sementes, cada um tem o seu tempo de desenvolvimento. Mas cabe a nós entender e conviver com a diversidade que a vida nos apresenta.

 

 

fruto

“Estou preparando para sujar as mãos na terra.” Foto: Shutterstock.

 

Eu achava que jardinagem fosse fácil. Quando nos mudamos para nossa casa e eu descobri que ela possuíaum grande quintal para cultivar legumes e frutos frescos, eu fiquei muito feliz com a ideia de que eu teria produtos frescos saindo regularmente do meu próprio quintal. Eu pensei, “eu só preciso jogar algumas sementes na terra, o suficiente de água, e não haverá mais necessidade de ir ao supermercado! Que legal!”

 

 

Acontece que a jardinagem dá muito mais trabalho do que eu imaginava. Primeiro a gente precisa tratar a terra, especialmente o solo da Califórnia, e você sabia que adubo pode sair caro? E depois nem toda semente germina e nem todo broto prospera. E logo após, chegam as lagartas. Eu odeio lagartas! As lagartas e eu gostamos de tomates, então nós não nos damos bem.

 

 

Odeio tocá-las, então eu as cato com a ponta de uma vara e as jogo por cima da cerca e, por vezes, elas aterrissam em um pedestre passeando com o seu cão. Um dia eu ouvi alguém falar um palavrão enquanto eu arremessava as lagartas. Você pode imaginar ganhar uma lagartada no rosto?

 

 

Onde eu estava? Ah, sim além das lagartas, há o fungo. Eles se espalharam como uma praga, inicialmente encolhendo minhas lindas e grandes abóboras e, em seguida, eventualmente, matando três árvores de fruto. Os poucos legumes que sobraram? As aves, os gaviões, os ratos, o gambá, o guaxinim e os coiotes as tomaram. Bem, pelo menos, todas as criaturas na vizinhança estão alimentadas. Jardinagem é difícil! Meu quintal ficou vazio por um bom tempo.

 

 

Minha abordagem inicial para ter filhos se assemelhava a minha experiência com jardinagem. Eu imaginava que apenas precisava produzir uma pessoa, fazer com que ela estivesse sempre limpa, e alimentada, e segura, e ela iria crescer perfeitamente bem … Até que ela não o fez.

 

 

Ambos os meus filhos têm atraso de desenvolvimento. Por um longo tempo eu estava em estado de negação, esperando que tudo fosse fase. Meu menino de três anos, Matthew, tem atraso de fala. Ele só agora está realmente dizendo o que ele quer de forma que faça sentido. Eu estava tão acostumada com a fala dele não ter muito objetivo que quase não entendi o óbvio, ele tinha essa dificuldade.

 

 

Por alguns dias, não importava o que eu pedia ao Matt, se era o que ele queria para comer ou que roupa ele queria usar, ele respondia com “eu quero ir para a praia.” Contei isso a sua professora, que sugeriu, brincando, “eu acho que ele quer ir a praia.”

 

 

O meu menino de um ano de idade, o John, no entanto, tem tanto a fala como o desenvolvimento motor atrasados. Aos dezoito meses de idade, ele ainda não está andando. “Você já tentou isso, ou aquilo?” É a pergunta mais comum às mães de crianças com atraso em desenvolvimento. O John consegue resolver quebra-cabeças, é amigável e doce, mas ele não sabe trazer alimento à boca.

 

Aparentemente, o seu médico acredita que ele tenha uma certa aversão oral, o que quer que isso signifique. Enquanto isso, as pessoas querendo ajudar, porém mal informados, fazem perguntas como: “você já tentou deixá-lo sozinho com alimentos e ver o que ele faz?”

 

 

Você realmente acha que eu não tentei de tudo para fazer meu menino se alimentar sozinho? É aí que meu sarcasmo sai: “Não, eu costumo jogar comida no rosto dele e espero ele pegá-la com suas mãos em habilidades ninja.” A verdade, porém, mesmo que eu a cubra com humor, é que mães de crianças com atraso em desenvolvimento não podem deixar de se sentir culpadas, mesmo quando sabemos que estamos fazendo o melhor que podemos.

 

 

Aqui nos Estados Unidos existem programas federais, gratuitos, para as crianças com desenvolvimento atrasado. São oferecidas diferentes tipos de terapias e os pais podem ter aulas também. Duas fisioterapeutas recentemente vieram à minha casa para avaliar o John. Foi como um doce amargo vê-lo interagir com elas e desta forma ensinar-me, por sua vez, o quanto ele sabe realmente.

 

Em um ponto eu fiquei em conflito ao pensar que se ele se mostrasse muito desenvolvido, ele não seria aceito no programa. Quando as fisioterapeutas me informaram que ele estava atrasado o suficiente para se qualificar, minha reação inicial satisfeita se transformou rapidamente em insatisfação: o meu filho de fato precisa de ajuda.

 

 

O que eu fiz de errado?” Saiu da minha boca antes que eu pudesse pensar. Ambas as terapeutas pararam de escrever em seus cadernos e olharam para mim de uma vez. Elas me garantiram que muito frequentemente, não há causas específicas aos atrasos de desenvolvimento infantil. Quando elas foram embora, chegou o próximo estado emocional: raiva. Por que eu? Por que os meus filhos? Por que não é mais fácil ser mãe? Por que não podemos apenas jogar as sementes na terra e vê-las crescer?

 

 

Poucos dias depois, quando a raiva diminuiu, enquanto molhava meus brotos de aspargos, que são frágeis e levam muito mais tempo do que outros vegetais para amadurecerem, eu tive a resposta: porque as sementes precisam de cuidados, e essa é a verdadeira beleza da jardinagem. Eles precisam de poda, muito sol e um lugar estável para enraizar. As sementes dão de volta o que você coloca, por isso estou erguendo as mangas da minha blusa e me preparando para sujar as mãos na terra.

 

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Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

 

Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!

 

 

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