Você, com certeza, já ouviu alguém falar sozinho. Aliás, todo mundo já deve ter trocado algumas palavras em alto e bom som consigo mesmo pelo menos uma vez! Muitos podem associar o fato de falar sozinho com loucura, mas pensar também é uma forma de falar sozinho, só que em silêncio.
Durante a infância, a criança tem o hábito de conversar com pessoas imaginárias para brincar e praticar a criatividade e esse tipo de comportamento é bem comum. Conforme vamos amadurecendo, isso muda e separamos o pensamento da fala, deixando a voz internaliza e os pensamentos tomam conta.
Segundo a professora e pesquisadora infantil Laura E. Berk, o ato de falar sozinho sempre irá existir, o que acontece é que ele vem à tona quando temos que lidar com situações complicadas ou desconhecidas.
Mas, como tudo na vida, há pontos positivos e negativos e pessoas que falam sozinhas podem se beneficiar em várias situações do dia a dia, como também pode ser sinal de algum problema.
Falar sozinho é normal?
Para Patrícia Spindler, psicoterapeuta e psicóloga mestre em psicologia social e institucional, o mais comum é que as pessoas pensem em vez de precisarem falar consigo mesmas. Mas ela comenta que o hábito de falar sozinho é amplamente usado como técnica para estudos, por exemplo.
“Existem pessoas que conseguem memorizar melhor quando falam, ou seja, quando escutam a si mesmas para “gravar” os conteúdos que precisam saber”, comenta a especialista. Verbalizar o que se está lendo ou escrevendo ajuda a construir o pensamento.
Outro momento que a psicóloga não caracteriza falar sozinho como problema ou distúrbio é quando alguém fala pequenas frases de incentivo. “Por exemplo, quando tenistas ou esportistas falam em quadra, valorizando-se e colocando-se para cima”, diz.
Ainda mais comum é deixar o pensamento escapar e verbalizar o que passou pela cabeça. Ela inclusive aponta que com frequência, quando isso acontece, as pessoas costumam justificar dizendo: “pensei alto”.
Falar sozinho é sinal de inteligência?
Existem muitos estudos que sugerem a afirmação para essa pergunta. Uma das recentes foi feita no Reino Unido, por pesquisadores da Universidade de Bangor, que decidiram separar dois grupos de pessoas. O primeiro grupo foi instruído a ler em silêncio e o segundo ler em voz alta. O objetivo do estudo era medir de que maneira os participantes conseguiam se concentrar na realização de uma tarefa. As pessoas que leram em voz alta mostraram maior concentração e melhor memorização do texto.
Em outro estudo, o professor Gary Lupyan, da Universidade de Wisconsin, selecionou também dois grupos de participantes. Uma parte devia observar objetos na tela de um computador e falar ato para localizá-los, enquanto o outro grupo tinha que olhar, encontrar o objeto, mas manter o silêncio. A conclusão foi que: os que falaram em voz alta localizavam mais fácil e rapidamente os objetos na tela.
Ainda, segundo psicólogos, quando a pessoa lê um texto em voz alta consegue ter maior controle de comportamento sobre o próprio pensamento e ajuda a planejar melhor suas ações. Além disso, falar sozinho pode colaborar para recuperar memórias afetivas e aumenta a autoconfiança.
Falar sozinho você se sentir melhor
A psicóloga clínica americana Anne Wilson Schaef, hoje atuando como escritora e palestrante, sempre recomendou aos pacientes que falassem bastante consigo mesmos. Ela conta que percebia muito melhora na memória e na autoconfiança se a pessoa falasse sozinha.
Pensando nisso, quando estamos muito irritados com uma situação, ao falarmos alto e sozinhos, xingar, praguejar, dá a sensação de que todo aquele incômodo vai passando, não é?
Muitos atletas, quando estão em competição, falam alto, comemoram em alto e bom som e se comunicam o tempo todo consigo mesmos. Falar sozinho em momentos tensos ajuda a relaxar, ganhar motivação e manter o foco nas tarefas.
Anne Wilson Schaef ainda acredita que a melhor maneira de se sentir bem é a comunicação com alguém que julgamos ser interessante, inteligente, que sabe tudo sobre nós mesmos, que nos conhece ao extremo. Esse alguém é você mesmo!
Benefícios de falar sozinho
Melhora a memória: Falar sozinho ajuda a memorizar as palavras e traz novas informações para o cérebro. É por isso que muitos estudantes e palestrantes preferem ler documentos e livros em voz alta para aumentar a capacidade de memória daquele conteúdo.
Aumenta o foco: Ninguém melhor do que você mesmo para chegar às melhores soluções para determinadas situações. Fazer isso em voz alta aumenta seu foco, anima e motiva a continuar. Além disso, falar sozinho faz você compreender suas ações e pensamentos.
Clareia as ideias: Deixar de falar algo que te incomoda não resolve nada, certo? Ao falar sozinho sobre seus problemas, você consegue pensar em alternativas e dá a impressão de tudo fica mais claro!
Dá mais segurança: Antes de uma apresentação, reunião ou palestra, alguns profissionais preferem falar sozinhos para memorizar o discurso e ganharem segurança e confiança. O mesmo se aplica para um ensaio de peça teatral ou cena de novela, em que os atores precisam externalizar o texto para não esquecerem nada e entrarem com tudo em cena.
Quando falar sozinho é um problema?
Patrícia diz que o hábito de falar sozinho é preocupante quando a pessoa não se dá conta de que está falando sozinha. “E isso passa a acontecer indiscriminadamente”, ressalta.
Ela comenta que a pessoa, nessa situação, desconsidera que existem outros ao seu redor. Assim, sente-se como se estivesse realmente sozinha, negando a presença de outros.
“O sujeito não estabelece contato com olhar, com a voz, com os gestos com aqueles que estão ao seu redor e tem para si que está sozinho. Ou, então, a presença dos outros não é suficiente para fazer um controle destes atos”, aponta a psicóloga
Se a pessoa está sozinha, em geral, ela não precisa falar, basta pensar. Quando a fala acompanha o desprendimento pela presença de outras pessoas ao redor, é sinal de que o processo de pensamento ou da consciência está alterado, ensina a especialista.
Outro fator que pode desencadear o hábito de falar sozinho é se a pessoa passa muito tempo nas redes sociais e ignora o mundo real. Hoje, ficar horas vendo a vida das pessoas na internet, pode fazer com que você comece a pensar e falar alto consigo mesmo. Fique atento, pois tudo que é exagerado causa problemas.
Se o ato de falar sozinho estiver causando angústia na pessoa ou alguma preocupação excessiva que não a deixe dormir direito ou ter falta de apetite, é indicado consultar um especialista, como psicólogo ou psiquiatra.
Existe tratamento para quem fala sozinho?
O tratamento para casos extremos (alguns citados acima) é feito a partir de uma avaliação do que está acontecendo com a pessoa. “Pode ser um sintoma que se apresenta em diferentes situações. É preciso buscar um psicólogo para identificar os motivos e se isto traz dificuldades e constrangimentos para a pessoa”, explica.
As razões para que alguém passe a falar sozinho com frequência variam. Pessoas que abusam de substâncias psicoativas, como álcool, drogas, medicação, e que sofrem com transtorno bipolar, tristeza e depressão podem ter o estado de consciência alterado.
Mas o hábito pode se desenvolver sem nenhuma substância envolvida. “Nesse caso, pode indicar um quadro de psicose ou, no mínimo, sintomas psicóticos”, afirma Patrícia.