Você sabe o que a maternidade muda na vida de uma pessoa? Simplesmente tudo. Conceitos imutáveis, medos jamais sentidos, desejos inimagináveis. A nossa colunista Mariana Parreiras conta um pouco sobre o que viveu enquanto esperava.
Ela aguardava não só a chegada do seu segundo filho, mas também o retorno não tão óbvio do seu marido, que partiu para a guerra um dia após a descoberta da gravidez. Emocione-se, com mais este “Relato de Mãe.”
Uma esposa e mãe de quatro filhos, todos com menos de 10 anos de idade, vai receber a visita de militares uniformizados em algum momento hoje, aqui no meu bairro. Quando ela abrir a porta e der uma olhada à escolha do uniforme desses homens, ela saberá o que isso significa, como todas nós, esposas de militares sabemos: seu marido morreu.
Enquanto sento aqui no chão da minha sala de estar, conhecidos me contam através de mensagem instantâneas, uma vez que este tipo de informação viaja mais rápido do que qualquer outra fofoca, que esta mulher ainda não recebeu a notícia. Eu quero dar-lhe um abraço. Instintivamente eu olho para a minha porta de entrada e lembranças do tempo em que meu marido esteve no oriente médio vem correndo de volta à memória.
Enquanto meu marido estava em ação, eu me recusei a atender a porta, por esse motivo, por superstição. Se a campainha tocava, eu me escondia. Minha porta da frente, no entanto, tem uma parte de vidro, onde uma pessoa pequena, com olhos curiosos, pode observar lá fora, e quem está lá fora, pode vê-lo. Por isso o meu esconderijo nunca funcionou, já que o meu filho Matthew sempre está disposto a cumprimentar qualquer estranho que venha por nossa porta.
Quando a pessoa finalmente ia embora, eu sabia então que não era um militar uniformizado, e podia respirar aliviada, já que eu sabia que os homens uniformizados nunca iriam embora até que a sua mensagem fosse entregue pessoalmente.
Na maioria das vezes, porém, quando eu finalmente abria a porta após que o visitante misterioso se fosse, eu encontrava sobre o tapete de entrada uma caixa de biscoitos caseiros, um copo de café, uma torta de chocolate, uma grande lasanha, medicação para enxaqueca, pães doces em um saco, e às vezes, uma notinha: “o Matt disse oi pela porta. Ele precisa de um corte de cabelo.”
Estes presentes frequentes eram das minhas amigas, que ficavam sabendo através da mídia social ou pela minha reclamação diária através de mensagem de texto, o que eu estava com desejos na gravidez, e o que eu precisava.
Eu já te disse que eu descobri que estava grávida do meu segundo menino um dia antes de meu marido pegar um avião para o Afeganistão, onde ele ficaria por seis meses? E eu disse que tive enjoo por 22 semanas? Bom, mas eu acho que eu já contei aqui que tenho um filho muito maluquinho, que nunca para, raramente cochila e curte destruir coisas para se divertir, certo?
Estas condições me forçaram a aprender e humildemente aceitar um fato fundamental sobre a maternidade: eu não posso fazer tudo sozinha. Eu sempre me orgulhei de ser capaz de fazer tudo sozinha: viver sozinha, começar um negócio sozinha, sobreviver em outro país sozinha, ir ao cinema sozinha, viajar sozinha, consertar pequenas coisas no meu carro e casa sozinha, até fazer caminhadas em florestas sozinha… Eu posso fazer tudo sozinha, mas eu certamente não posso criar meus filhos sozinha, o que foi muito difícil de aceitar.
Há um provérbio africano que diz que “é preciso uma aldeia para se educar uma criança“. Tempos atrás as mulheres compartilhavam a sabedoria e a disciplina dos filhos. Vivendo próximas, em sociedades onde os papéis de cada sexo eram claramente atribuídos, toda criança era filha da aldeia. Eu duvido que as mães de antes da idade agrícola jamais julgariam umas as outras com base em como seus filhos se comportam, porque educar uma criança era dever de todos.
Nossa geração está se movendo cada vez mais longe do grupo natural de apoio que uma mãe, e especialmente as crianças, precisam. Eu disse não a qualquer ajuda inicialmente, quando meu marido foi embora. Minha mãe veio ficar comigo e ofereceu generosamente para que ficasse por todo o tempo, e eu ainda assim disse não. Eu podia fazer tudo sozinha, certo? Mesmo passando mal o tempo todo, mesmo como uma criança hiperativa como o Matt. Novamente de teimosia pura eu disse não, não preciso de ajuda.
Mas, então, o teto da minha cozinha caiu. Sim, o teto caiu, criou uma bolha de água, apodreceu e caiu, em pedaços por toda a casa, porque as casas tendem a literalmente desmoronar quando não há um homem por perto. Logo depois recebi ligações de um estranho no meio da noite. Policiais e vizinhos com armas passaram por minha casa, em ocasiões diferentes, investigando por trás de cada arbusto e dentro de cada armário, pois eu imaginava ter ouvido um barulho aqui ou ali.
Claro que nestes momentos eu não conseguia falar com o meu marido. E que bem faria? Quando do seu lado ele só ouvia sirenes anunciando iminentes foguetes e bombas atacando a região. Enquanto isso, eu precisava ser examinada semanalmente no hospital porque a gravidez não estava indo tão bem quanto era esperada. O que eu faria com o menino maluquinho durante tudo isso? E minha casa caindo aos pedaços?
Foi neste momento que elas apareceram, vindas de todos os lugares: amigas. Nunca antes eu havia experimentado tamanha demonstração de amor de toda uma comunidade.
Elas cuidaram da minha casa, do meu filho, minhas dores de cabeça, meus desejos, meus pesadelos. Elas me fizeram rir, elas fizeram a minha criança rir, elas se hospedaram durante a noite, elas conversaram comigo, elas cozinharam, limparam, elas foram ao hospital, elas fizeram um chá de bebê surpresa com tanto amor e detalhe que até hoje me leva às lágrimas.
A maioria das mulheres são naturalmente sociais. Eu aprendi por esta provação que isolar a nós mesmas e acreditar que podemos fazer tudo sozinha não é bonito, e nem é um sinal de força interna. Na verdade, acredito que a mulher forte conhece a si mesma e sabe que precisa do próximo para ser forte.
Ainda mais importante, a mulher com um sistema de apoio é uma mãe melhor. Hoje eu peço ajuda e a aceito sem pensar duas vezes, porque sei que não só eu preciso de amigas, mas meus filhos precisam da comunidade.
Quanto à mulher que perdeu o marido, apesar de eu não a conhecer, eu estou cogitando em estender a mão para ela. Porque, afinal de contas, ela é da minha aldeia.
Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!
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