“Espero que ele não perceba que estou chegando em casa de madrugada!” Isto está passando por minha mente enquanto eu abro a porta barulhenta da garagem, esperando que meu marido esteja dormindo e que o ruído não venha a acordá-lo. De repente eu me sinto como um adolescente.
Lembro-me de ter os mesmos pensamentos enquanto na ponta dos pés chegava no apartamento dos meus pais, quando adolescente, apenas para descobrir que minha mãe estava sim acordada e, sim, ela estava ciente de que horas eram e a muito tempo não estava feliz com isso.
Em uma ocasião um tanto embriagada, eu disse, com fala arrastada para a sombra sob a minha cama, pensando que era meu irmão, “não conte nada à mamãe! Ela vai me matar!” E ela disse: “Eu sou sua mãe! Você acha que desse jeito vou deixá-la ir morar no exterior?”
Já no exterior, durante a faculdade eu morei em uma casa para estudantes estrangeiros, em uma parte histórica da cidade, na Virgínia, construída em 1.800. O lugar rangia de velhice com cada passo que eu dava. Todos os estudantes estrangeiros da casa, menos eu, eram meninas japonesas.
O jantar era sempre interessante porque era ou sushi (feito por elas) ou macarrão de caixinha, a minha especialidade na época. Quando elas faziam o jantar, a cozinha permanecia imaculada depois. Quando era a minha vez, podia-se encontrar molho de macarrão até no teto.
As japonesas nunca reclamaram de nada que eu fazia, meus banhos longos, minha bagunça. Elas sempre diziam “sim” a qualquer coisa que eu precisasse. Eles só tinha um problema comigo: a casa era para ficar quieta depois das dez horas, e muitas vezes eu chegava um bocado mais tarde do que isso, na alta madrugada.
Eu tirava meus sapatos na rua, para não fazer barulho quando entrava de madrugada na antiga casa colonial. A porta de entrada me dedurava, no entanto. O ranger era tão alto que, inadvertidamente, uma pequena mulher asiática estaria em pé na frente do meu quarto, os braços cruzados, e me dizendo, com forte sotaque e voz severa, que “escola é importante e precisamos ir dormir.”
Após a faculdade e depois de dividir a moradia com algumas pessoas eu decidi que viver sozinha era a melhor explicação para não ter que dar explicações a ninguém. Eu estava tão acostumada com o trauma de ser pega voltando para casa tarde que, mesmo morando sozinha, eu entrava no meu próprio apartamento devagar e no escuro.
Essa últimas semanas tem sido difíceis. Porque meus dois filhos têm feito diversos tipos de terapia e o John parece estar passando por uma fase de chorar por pura diversão. Com tudo isso, eu precisava escapar e ir à unica terapia que sempre funciona: amigas para dar risada, pizza e vinho. Meu marido me incentivou a ir e me disse para não me preocupar com os meninos. Ele iria alimentá-los, banhá-los e colocá-los em suas camas para dormir.
Eu lhe disse algumas vezes para não deixá-los assistir a desenhos animados, pois eles ficam excitados e não dormem. Porque eu sou uma mulher e, portanto, reformulo redundantemente as orientações. Porém, muitos homens tem a tendência a não escutar, eu mandei outra mensagem de texto de telefone, mais tarde, simplesmente dizendo, “lembre-se: não os deixe assistir desenhos!”
Ao chegar no meu quarto nas pontas dos pés, no entanto, eu encontro meu marido na beira da nossa cama, quase caindo. Enquanto os dois pequenos rapazes estavam espalhados no meio da mesma com perninhas e bracinhos esparramados, todos a roncar alto. Na televisão do quarto um desenho animado irritante estava passando no último volume.
Eu desliguei a TV e me perguntei onde eu iria dormir agora, decidindo me dirigir ao quarto do Matthew. Embora eu organize o seu quarto diariamente, parece sempre que uma bomba de Lego explodiu por lá, e é nisso que eu pisei ao entrar. Você já pisou em um Lego? É o tipo de experiência capaz de fazer uma freira falar palavrões.
Eu murmurei alguns do meu próprio vocabulário sujo, sob a minha respiração, na escuridão, quando eu pisei em mais um outro objeto, o que me fez saltar em uma perna. No processo pisei em um carro de brinquedo, onde as rodas giraram e fui cair quase de boca no chão. A única razão pela qual eu não me quebrei toda foi porque durante a queda eu me agarrei à colcha da cama, onde uma ambulância de brinquedo estava.
A ambulância voou pelo quarto, e aterrissou de tal forma que todas as luzes e botões foram ligados com a queda, e o carrinho com as suas sirenes tomou direção certeira através do corredor em direção ao meu quarto, em velocidade de emergência.
Pisando em mais Legos ao longo do caminho, eu persegui a maldita ambulância e tropecei, caindo mais uma vez antes de tomar posse e desligar o “bendito” brinquedo. A última coisa que eu precisava eram duas crianças gritando assustadas e um marido confuso correndo pelo corredor para saber o que tinha ocorrido.
Meu marido já está traumatizado com coisas de criança à espreita pela escada que dá ao andar de baixo. Temos um detector de luz que aciona com movimentos na mesma. Em uma certa noite o corredor se iluminou, o que forçou meu marido militar a enfrentar o corredor assumindo postura de artes marciais e atacou desta forma um balão de hélio perdido que tinha voado pela escada, com fúria de veterano, antes de se dar conta de quem era seu paciente adversário.
Eu finalmente me deitei na cama do Matthew depois de lutar com bichos de pelúcia e mais alguns carros de brinquedo. Descansei minha cabeça em seu travesseiro confortável, lentamente adormecendo enquanto admirava o brilho dos decalques de estrelas que brilhavam no escuro no teto do quarto, quando meus olhos se abriram de supetão ao distinguir o cheiro… de urina.
Eu me sentei, cheirei o ar, em seguida, a cama, os cobertores. Levantei-me, cheirando os bichos de pelúcia, a cadeira de balanço, e estava de quatro, a cheirar o chão, quando a luz de uma lanterna cegou meus olhos. “Que diabos você está fazendo?” Meu marido perguntou. “Ele fez xixi em algum lugar no quarto e eu preciso descobrir onde está!” “Vamos dormir!” Ele disse. “Há outros dois homens pequenos dormindo na minha cama.” Eu justifiquei.
“Você acabou de chegar em casa?” Meu marido perguntou de repente, irritado. Eu despistei sua pergunta fazendo uma minha, “eles assistiram desenho animado? É por isso que eles adormeceram lá?” Sem dizer nada meu marido deu por terminada a conversa e voltou a dormir.
Eu continuei a cheirar mais alguns cantos do quarto, até desistir, um tanto irritada, e voltei a deitar na cama do Matthew. Foi quando eu percebi que o meu filho, por alguma razão que só ele pode compreender, tinha urinado sobre esse mesmo travesseiro onde eu estava deitada.
Arremessei o travesseiro no corredor, o que fez a luz acionar, mas desta vez nenhuma violência com artes marciais contra objetos inanimados ocorreu. Usei um bicho de pelúcia para colocar minha cabeça pelo resto da madrugada, mas o cheiro de urina permaneceu impregnado em minha alma, me mantendo acordada. Talvez este negócio de maternidade possa finalmente ensina-me a chegar em casa em um horário civilizado, já que agora eu corro o perigo de dormir em xixi.
Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!
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