Relato de mãe

Roteiro de viagem, por Mariana Parreiras

Por Redação Doutíssima 26/05/2015

“Você quer ir para o Canadá?” Perguntei ao meu marido, entre garfadas, durante o jantar. “Claro! Quando?” Ele perguntou. “Agora”, eu disse, “assim que nós terminarmos de jantar.”

 

 

E isso é exatamente o que fizemos. Nós colocamos algumas roupas, jaquetas (era inverno) e passaportes em uma pequena mala, e fomos para o Canadá, escolhemos a Niagara Falls como roteiro de viagem.

 

 

Tudo isso logo após o jantar. Claro, a viagem era apenas oito horas de carro de onde morávamos, e nós fizemos isso durante a noite, mas esse é o tipo de coisas espontâneas que costumávamos fazer antes de termos filhos.

 

viajando

Entre tantos roteiros de viagem, Mariana Parreiras tem como o destino ideal a casa onde vive. Foto: Shutterstock.

 

Meu marido e eu tínhamos um plano ambicioso de visitar três países diferentes a cada ano, o que fizemos, até eu começar a passar mal com a primeira gravidez, logo antes de cruzarmos o país de carro.

 

Depois de ter os bebês, viajar tornou-se um fardo, por ser tão inconveniente, e um objetivo distante. Ver o mundo sempre foi o meu desejo e não estou disposta a abrir mão disso, no entanto, não quero culpar meus filhos por isso.

 

 

Acordei um dia e fiz ao meu menino de três anos uma daquelas perguntas espontâneas, “Matt, você quer ver San Francisco?” mas Matthew disse: “Não, eu quero ir para a ginástica olímpica”. Ele começou a ter aulas de ginástica olímpica e agora só fala sobre isso.

 

Isso era tudo que ele ainda estava falando, cinco horas depois, quando nós estávamos dirigindo através de montanhas amareladas pela vegetação seca, interrompidas por pedaços verdes escuros de mata e rebanhos de gados por quilômetros a fio, numa estrada semi-abandonada. Nós tomamos um rumo errado pois meu marido se acha melhor navegador do que o GPS.

 

 

Ficar perdido era divertido, e ainda é, só que em vez de abraçar essa parte deserta e remota da Califórnia, onde o único outro veículo na estrada era um carteiro, estamos a escutar Matt falando de ginástica olímpica e John também nos informa que ele não gosta de curvas . Toda vez que o carro passava por uma curva acentuada, ele dava um grito de congelar os ossos.

 

 

O que mais é diferente em viajar com crianças pequenas? Bom, eu comecei a escrever este artigo, por exemplo, antes de pegarmos a estrada de volta para casa. Matt, no entanto, estava de pé sobre o aparelho de ar condicionado do hotel e se preparando para saltar sobre o sofá, onde eu estava sentada, e ao mesmo tempo, o John puxava do meu colo o tablet onde eu escrevia, para se ocupar com joguinhos.

 

 

A hora de dormir é uma emoção em si. Depois de tomar banho até na pia, nem o John vai para a cama antes da meia noite. É muito excitante estar longe de casa! Porque as camas não tem os trilhos para prevenir a queda do Matt, eu ouvia um baque alto de um corpo leve, sonolento, caindo no chão. Ele se levantava, um pouco confuso, e subia de volta para dormir.

 

 

Sair para um jantar romântico no cais, na histórica cidade de Monterey significou encontrar um restaurante de frutos do mar que também servia pizza para manter o Matthew sentado por alguns momentos, e enquanto os meninos estavam sendo alimentados, podíamos engolir um pouco de vinho, o que foi um momento raro.

 

 

No parque nacional de Big Sur, onde existem sequóias antigas (tipo de árvore de origem canadense), que atingem mais de cem metros de altura e algumas têm 2.000 anos de idade, eu estava com os bebês em meio a essas árvores maravilhosas, tendo um momento meu, quando perguntei ao Matt o que ele achava das árvores enormes.

 

Em sua mente de três anos de idade, no entanto, todas as árvores são grandes e uma enorme folha de uma planta qualquer que ele encontrou no chão foi uma atração muito mais interessante, e é sobre isso que ele falou o resto do dia. Novamente na estrada, ele falava agora de ginástica olímpica e da folha.

 

 

Uma vez em São Francisco, andando no famoso e lotado mercado de peixe, onde o cheiro de chocolate da avenida Ghirardelli Square, e camarão frito, misturado com catalisador de carro velho impregnava o ar, enquanto os meninos assistiam em reverência a multidão de turistas, as enormes e esfomeadas gaivotas, e as demasiadas lojas, rindo e apontando ao longo do caminho.

 

 

Matthew não parecia tão impressionado com os carrinhos de trolley (aqueles carrinhos quetransportam com os alimentos e bebidas dentro do avião), sendo levados por cabos, chamando-os de “trens preguiçosos”. Ele certamente queria tocá-los, no entanto.

 

Na verdade, ele queria tocar tudo. Tentei como pude manter as suas mãos limpas, mas ele encontrava uma maneira de torná-las imundas novamente. Eu não posso me preocupar tanto com germes, certo? Quais são as chances de que ele realmente vá ficar doente só de encostar nas coisas?

 

 

Meu ginasta também não perdeu tempo e começou a escalar lugares que ele não deveria, como a borda de um cais onde um homem segurava uma placa com uma escrita desgastada onde estava escrito, “Alcatraz.” Por que não? Meu marido e eu damos de ombros, enquanto eu descia as escadas íngremes do cais para esse velho barco, onde havia uma grande lacuna onde eu poderia cair na água.

 

Eu tomei conhecimento deste fato quando um pescador estava entregando meu John para baixo das mesmas escadas para outro pescador, e para outra pessoa, e outra pessoa até que ele pousou em segurança nos meus braços, dando risadinhas. O mesmo processo foi repetido com o Matt, e o carrinho de bebês, e as três bolsas que carregávamos.

 

 

“O que eu estava pensando? Os meninos poderiam cair na água! Matthew pode até SALTAR na água!” Eu me perguntei, quando o barco tomava direção à baía, navegando sob a majestosa ponte Golden Gate, no exato momento em que ambos os meninos adormeceram nos meus braços, algo que não acontece mais.

 

 

Acalentando e curtindo o momento fiz o possível para não me mover e acabei por não ver muito. Suas respirações pesadas no meu pescoço e corpinhos quentes sobre o meu nos mantiveram aquecidos da garoa fria que caía. O Alcatraz pode esperar.

 

 

No dia seguinte, Matthew acordou vomitando porque encostar nas coisas passa germe sim, e pela maior parte da manhã eu segurei meu filho chorando no chão do banheiro do hotel. Assim que aceitei o fato de que isso significava o fim das mini-férias, o Matthew terminou de vomitar, olhou para mim sorrindo e disse: “Agora eu quero panquecas!”

 

 

Com pausas para intermináveis lanches, para mudar fraldas, usar o banheiro, ou correndo atrás do Matt, que subia em lugares que ele não deveria, nós ainda assim visitamos todas as partes turísticas.

 

 

Dirigindo pela rua Lombard, a famosa rua cheia de curvas, no entanto, não foi tão divertido como esperado porque, como já mencionei, o John não curte curvas. E quando nós finalmente visitamos as “senhoras pintadas”, as casas da era vitoriana coloridas que estão lado a lado e fazem a marca de contexto da cidade, os meninos finalmente dormiram no carro, e só vimos as casas de passagem no trânsito.

 

 

Será que tivemos realmente férias? Será que pudemos ver e fazer tudo o que queríamos? Talvez. Talvez não. No entanto, não queremos que os nossos meninos diminuam a nossa velocidade como um quebra-molas e nos envelheçam dessa forma. Queremos manter o nosso espírito aventureiro vivo.

 

 

Mas eu tenho um segredo a compartilhar: é bom estar em casa novamente. É sempre bom estar de volta para casa.

 

 

Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

Mariana Parreiras e os pequenos John e Matt. Foto: Arquivo pessoal.

 

Mãe do John e do Matthew, Mariana Parreiras, 35 anos, escreve semanalmente para a coluna “Relato de Mãe”. Num texto leve e moderno, ela conta sobre a delícia e a dor de ser mãe. Formada em comunicação e com uma carreira consolidada em grandes empresas americanas, Mariana colocou a vida profissional em segundo plano para cuidar da educação dos filhos. Acompanhe!

 

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