Hoje em dia, todos sabem os males do cigarro. De acessório elegante e fashion que fora um dia, hoje é conhecido como droga, com potencial de vício e suas inúmeras e graves complicações. Pacientes fumantes em consultórios de oncologistas não faltam nunca. É bastante normal, nestes casos, que os parentes de tais pacientes me procurem em separado pedindo que eu reforce a necessidade da cessação do tabagismo.
Fim do tabagismo: Parentes pedem para o médico convencê-lo da necessidade de deixar de fumar
A minha resposta é um pouco frustrante para essa expectativa. Geralmente digo que sim, irei discutir sobre cessação de tabagismo, mas não espero muito desse tipo de debate. Primeiro, porque na presença de um câncer em atividade, podemos estar atuando tarde demais. Lógico, parar de fumar SEMPRE trará benefícios, mas nada comparado a NUNCA fumar. Segundo, com raríssimas exceções, a pessoa SABE que fumar está destruindo-a. Falando, serei apenas mais um em uma lista de “chatos” dizendo a mesma coisa. Imagino a esposa do meu paciente insistentemente falando sobre isso, todos os dias, várias vezes ao dia. Às vezes esse tipo de atitude tem um efeito até contrário, causando a “rebeldia” do fumante.
Talvez a melhor maneira de fazer quem fuma entender o risco que corre, seria ver de perto o sofrimento causado por essa droga. O pensamento humano sempre é o de “nunca vai acontecer comigo”, raciocínio esse que faz com que a indústria do tabagismo fature milhões por ano. Por isso, em vez de falar sobre os males do cigarro, optei por contar a história do Sr João, que consultei semana passada. Com exceção do seu nome, tudo aqui é verdade.
Caso real: a história do tabagismo e câncer do sr. João
João tem 42 anos. Procurou atendimento em 2011, com uma ferida na boca. Fumava desde os 12 anos, e na época consumia um maço de cigarros ao dia. Essa ferida doía muito, ficava atrás dos dentes e prejudicava sua alimentação. Já com o diagnóstico de câncer, compareceu ao médico para discutir tratamento.
Foi visto inicialmente pelo cirurgião, que considerou a doença muito extensa para operar. Encaminhado para mim, indiquei quimioterapia e radioterapia, que são alternativas de tratamento à cirurgia. Tive uma longa conversa com ele sobre o cigarro. Além de ser paciente do SUS (que não oferece programas de cessação de tabagismo na cidade onde ele vive), ele não manifestou desejo de parar. Durante todo o período de tratamento continuou fumando. Lembro-me de uma vez que ele precisou internar por uma infecção e fugiu do hospital para fumar.
Findado o tratamento inicial, apresentou resposta completa, ou seja, o tumor havia sumido. Comemorei com ele o sucesso do tratamento, mas deixei um aviso: Expliquei sobre os riscos da doença voltar, especialmente se continuasse fumando. Por 2 anos o Sr João ficou livre da doença, mas continuou com seu hábito – na verdade aumentando o uso do cigarro – chegando a fumar 2 maços ao dia!
Em julho de 2013 a doença voltou. Como é o mais comum nesse tipo de recidiva, muito pior. A dor estava incontrolável, sendo necessário uso de morfina. Pela ferida na boca, não conseguia comer nada. Seu hálito era horrível, e pessoas próximas dele se afastaram. Retomei tratamento, com esquemas de resgate. Com poucas sessões percebi que a doença não estava melhorando, mesmo com bons medicamentos escolhidos para essa condição. Em nenhum momento houve sequer redução do número de cigarros por dia.
Por cerca de 2-3 meses perdi contato com o Sr João. Não havia retornado em consulta. Finalmente em janeiro/2014 eu o vi novamente: Havia perdido 20kg. A ferida na boca se transformou em uma enorme úlcera. A doença se espalhou pelos gânglios do pescoço e infiltrara a pele. Conseguia-se ver vários tumores ulcerados em seu pescoço, à direita. Mal abria a boca. Continua fumando! Com as altas doses de morfina que está usando, O Sr João fica sonolento, e por vezes dorme com o cigarro aceso. Quase se incendiou, mais de duas vezes! Suas roupas tem furos por queimadura. A esposa, desesperada, com medo de acordar no meio de um incêndio em sua casa, esconde o maço durante a noite. O problema disso é que em seu devaneio abstinente, o Sr João acorda trôpego e confuso no meio da noite e vai procurar seu cigarro, tendo caído várias vezes, chegando a fraturar a perna. O cheiro de seu hálito é insuportável.
O sr João, salvo por um milagre, irá morrer em breve. Sofrendo a cada minuto. Não tenho outras alternativas de tratamento, somente auxiliar na pouca qualidade de vida e dignidade que ainda consigo manter em um caso como esse. O mais triste é que irá morrer com seu assassino em suas mãos… uma carteira de cigarros.
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